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20/03/2024 - Inclusão de pessoas portadoras de deficiência na nova Lei de Licitações

"Desde o início deste 2024, os processos licitatórios que venham a ser iniciados, bem como as contratações decorrentes de situações de dispensa e inexigibilidade de licitação, são regidos pela Lei nº 14.133, de abril de 2021 que, entre outras inovações, traz a exigência de que os licitantes  declare m cumprir, nos termos do artigo 63, IV, “as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas” como requisito de habilitação.

Trata-se de regra aferidora da habilitação social de quem pretenda contratar com o poder público, e a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos traz outras hipóteses neste sentido, como a de possibilidade de ser exigido que “percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica” ou “oriundos ou egressos do sistema prisional” (artigo 25, § 9º, I e II).

Com isto, busca o legislador estimular (de certa forma, compelir) a obediência dos licitantes/contratados a requisitos legais voltados ao atingimento de finalidades de interesse social.

Já a Lei nº 8.213/1991 traz exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social Conhecimento, determinando, em seu artigo 93, os percentuais de cargos a serem preenchidos, em empresas com mais de cem empregados, com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas.

A conjugação dos dispositivos legais mencionados conduz facilmente a uma primeira conclusão: apenas aqueles que  declare m atender os percentuais determinados pela Lei nº 8.213/1991 podem ser habilitados em uma licitação ou contratados pelo poder público (e entendo que uma declaração falsa para que seja alcançada a habilitação social atrairia risco de pesadas sanções).

Porém, parece-nos que a questão não é tão simples, nem que a melhor interpretação do artigo 63, IV, da Lei nº 14.133/21 se dê sem atenção a dados de realidade já admitidos pelo Judiciário brasileiro.

O “insucesso em contratar pessoas com deficiência”

Na verdade, do ponto de vista do Direito do Trabalho, a interpretação literal da exigência contida na Lei nº 14.133/21 conduz a um absurdo, uma vez que a exegese da Lei nº 8.213/1991 dada pelos tribunais mitiga a exigência contida no artigo 93 desta norma — e, obviamente, alcança e condiciona também as regras anotadas em instruções normativas que visam orientar a fiscalização exercida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, órgão estatal detentor da competência para exercício desta função.

Explica-se.

Desde da edição da Lei nº 8.213/93, o cumprimento desta obrigação vem sendo objeto de discussão judicial, com o Judiciário brasileiro, de forma que pode se dizer pacífica, e já de algum tempo, entendendo que

“a finalidade do art. 93 da Lei 8.213/91 é propiciar a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho, mediante “discriminação positiva”, de modo a evitar a disputa direta com os demais trabalhadores, cuja contratação teoricamente seria mais vantajosa para o empregador. Todavia, nem sempre haverá disponibilidade de pessoas que se enquadrem no modelo legal, no quantitativo mínimo abstratamente previsto, não se concebendo apenar a empresa por tal situação, devendo-se perquirir se o não atingimento da meta se deve a conduta discriminatória ou a negligência no cumprimento do dever jurídico que lhe impõe a norma [1]” (destacamos) .

Esta é a posição do Tribunal Superior do Trabalho:

“Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento das exigências do art. 93 da Lei 8.213 /91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados” [2] (destacamos).

Punir quem não pode ser punido
O que se tem, então: existe uma obrigação legal – reservar vagas para beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas – que pode ser afastada, se comprovadamente houve esforços, por parte de uma empresa, no sentido de atender a este dever legal, não se responsabilizando a pessoa jurídica pelo insucesso no cumprimento desta obrigação.

Neste caso, a pessoa jurídica não pode ser punida.

E é desta interpretação, dada pelo Judiciário brasileiro ao artigo 93 da Lei 8.213/91, que se deve partir para a leitura da Lei nº 14.133/21, expungida de apego excessivo e nocivo a rigorismos formais ou abordagens interpretativas unicamente literais.

É certo que Lei nº 14.133/21 exige que se  declare  o atendimento a uma obrigação legal (a de reservar vagas para beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, nos termos da Lei nº 8.213/91).

Mas, se esta reserva de vagas somente pode ser exigida de quem possa cumpri-la, conforme a já apontada leitura de nossas cortes trabalhistas, igualmente a declaração prevista na Lei nº 14.133/21 somente pode ser exigida da pessoa jurídica comprovadamente apta a atender aos parâmetros do artigo 93, da Lei nº 8.213/91.

Entender que a exigência da Lei nº 14.133/21 pode ser feita a quem comprovadamente não possa atender à Lei nº 8.213/91 é um contrassenso, e que resulta em uma forma drástica de punição a quem, nos termos da interpretação jurisprudencial da Lei nº 8.213/91, não pode ser punido por não atender ao previsto no artigo 93 desta norma.

A interpretação da regra contida na Lei nº 14.133/21, que faz referência a um outro dispositivo de uma outra lei (no caso, o artigo 93, da Lei nº 8.213/93), deve levar em conta, para que sejam evitadas situações absurdamente injustas, como esta segunda norma é interpretada, especialmente pelos nossos tribunais especializados.

Conclusão
Se a interpretação que vai se dar à Lei nº 14.133/21 for, além de literal, desarmônica com a interpretação jurisprudencial da Lei nº 8.213/91, ter-se-á situação irrazoável, injusta e que, punindo, pela inabilitação em um processo licitatório (ou pela não concretização de uma contratação direta), a pessoa jurídica que não pode ser punida, pune ao final e na verdade a sociedade, que pode ver recursos públicos sendo gastos com propostas menos vantajosas para a administração.

Juridicamente, com o devido respeito, parece-nos mandatório, sob pena de se estar admitindo punir quem não pode ser punido, e de se estar pagando eventualmente mais caro pelo que pode ser contratado por preço mais vantajoso, que se conclua que uma declaração formal de uma pessoa jurídica, no sentido de ter tentado cumprir a obrigação anotada no artigo 93, da Lei nº 8.213/91, não conseguindo por motivos alheios a seus esforços e vontade, tenha o mesmo valor jurídico da declaração de cumprimento do exigido pela Lei nº 14.133/21.

A veracidade desta declaração de impossibilidade de atingimento dos índices de reserva de vagas determinado pela Lei nº 8.213/91 se submeteria a eventual fiscalização por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, e a constatação de ser falsa a afirmação feita pelo licitante/contratado deve resultar, advoga-se, em severa sanção.

Mas, juridicamente, a declaração de impossibilidade de cumprimento do dever imposto pelo artigo 93, da Lei nº 8.213/91 necessariamente deveria bastar para que a exigência anotada na Lei nº 14.133/21 fosse atendida.

Portanto, e em conclusão, ou a pessoa jurídica declara que cumpre a obrigação, ou declara que não a cumpre por não ter conseguido, mesmo tendo envidado seus esforços para fazê -lo — e, neste caso, não pode ser punida, como fartamente decidido pelos tribunais do Trabalho, nem impedida de contratar com o poder público.

Leonardo Brandão"

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[1] TRT-1 – RO: 01012748320195010035 RJ, relatora DALVA AMÉLIA DE OLIVEIRA MUNOZ CORREIA, data de julgamento: 25/08/2021, 8ª Turma, data de publicação: 3/9/2021

[2] TST – RR: 10023645720165020204, relatora MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, data de julgamento: 7/6/2022, 4ª Turma, Data de Publicação: 10/06/2022

Fonte: https://www.conjur.com.br/2024-mar-19/a-inclusao-de-pessoas-portadoras-de-deficiencia-na-nova-lei-de-licitacoes/
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